quinta-feira, 21 de dezembro de 2006

UM VISITANTE ILUSTRE NA REPRESA DE GUARAPIRANGA

Voltei recentemente de uma viagem pelo norte do Brasil e assim que me conectei na internet, uma pessoa da região onde moro me ligou dizendo que havia visto recentemente um cabeça-seca (Mycteria americana) na represa do Guarapiranga. Como de costume, anotei as informações e no dia seguinte peguei meu caiaque e saí atrás do bicho, pois dificilmente alguém confundiria um cabeça-seca com uma garça qualquer.

No sábado pela manhã (16/12) percorri a região informada e nada do cabeça-seca,depois fui para outras áreas alagadas e brejosas da represa e nada dele. Quando eu já estava para desistir, resolvi continuar remando e ir até outro braço do reservatório, mais afastado das áreas urbanas e tive uma grande surpresa, me deparei com um grupo de seis mergulhões-de-orelha-amarela (Podiceps occipitalis), uma espécie típica dos Andes e do Sul da América do Sul.

Nestas horas a emoção toma conta e a adrenalina dita o ritmo da aventura. Tratei de remar mais rápido e chegar próximo dos mergulhões, pois não acreditava que eram eles mesmo, ali na minha frente, na represa do Guarapiranga, em plena cidade de São Paulo (rs). Com a câmera digital fiz algumas fotos de identificação e aproveitei para ficar admirando aquelas aves, que possuem uma plumagem colorida e um olho vermelho vivo, que até parece artificial.
Depois de ficar seguindo o grupo por quase uma hora, voltei para casa e fui procurar mais informações na literatura especializada. Ao consultar um artigo recente (Bornschein et al. 2004) descobri que esta espécie só havia sido registrada em duas localidades no Brasil. O primeiro registro foi na região centro-oeste de Santa Catarina (2002) e o segundo registro em Curitiba, no Paraná (2003), portanto a represa do Guarapiranga passava a ser a terceira localidade de ocorrência desta espécie no Brasil.
 
No dia seguinte voltei na represa com minha “velha” câmera reflex e a lente 300 mm e fiz ótimas fotos dos mergulhões. A documentação científica de qualidade é fundamental nestes casos.


Agora, entre relatórios técnicos, atribulações de final de ano, Natal e Ano Novo, terei que conseguir um tempo para monitorar os mergulhões da Guarapiranga (rs), pois todas as informações coletadas serão importantes no futuro.

 
O aparecimento desta espécie na cidade de São Paulo, assim como os demais registros que tenho feito recentemente na região (maçaricos, batuíras, trinta-réis, tuiuiús, colhereiros entre outros), mostram que estas aves estão resistindo às perturbações ambientais e utilizando os ambientes “naturais” disponíveis, mesmo que estes estejam parcialmente poluídos.

A cidade de São Paulo sempre foi rota das aves migratórias que, no passado, visitavam os bairros do Ipiranga, Penha, entre outros (imagina só o Ipiranga em 1901, era um brejo só!) e, com o crescimento desorganizado da cidade, estas aves tiveram que buscar refúgio nos últimos remanescentes de várzeas e áreas alagadas do município, que estão localizadas no entorno da megalópole, como a Represa do Guarapiranga, represa Billings e o Parque Ecológico do Tietê. Estas áreas naturais (principalmente aquelas que não são parques) correm um sério risco de desaparecer em função das invasões habitacionais clandestinas, que avançam a cada dia em direção a estas regiões.
 
Vamos ficar atentos, podemos encontrar estes mergulhões em qualquer lago da cidade.

Para quem gosta de fazer observações de aves, minha dica é procurá-los nos lagos do Ibirapuera, Jardim Botânico, Parque do Carmo e Parque Cidade de Toronto, além do Parque Ecológico do Tietê e das represas do Guarapiranga e Billings.


Fabio Schunck (fabio_schunck@yahoo.com.br)

Referência
Bornschein, M. R., Maurício, G. N.e Sobânia, R. L. M. 2004. First records of the Silvery Grebe Podiceps occipitalis Garnot, 1826 in Brazil. Ararajuba.12 (1):61-63.

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